A
Honra: uma virtude esquecida
Por Jurandir Dias
Nossa sociedade vive uma crise sem precedentes
na história da humanidade. A desonestidade paira em todos os campos,
especialmente na política. Os casos de prisões pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, por exemplo, são prova
disso. A causa dessa crise é a perda de valores morais, especialmente da honra.
Chegamos a esse ponto
devido a um processo multissecular que vem desde a decadência da Idade Média
até os nossos dias. Tal processo foi magistralmente exposto pelo Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira em seu livro Revolução
de Contra-Revolução.[1]
O
cavaleiro medieval
A Fé e a Honra são os traços marcantes do cavaleiro medieval |
A honra era um
sentimento que dominava e impregnava toda a vida social na Idade Média. A
Cavalaria inspirou esse sentimento em algumas instituições poéticas,
especialmente nos trovadores. Hoje, quando se quer dizer de um homem que ele
possui a plenitude das qualidades do varão católico, diz-se que ele é um cavaleiro. Tal qualidade, infelizmente,
também está em vias de desaparecer por causa do igualitarismo que nivela por
baixo as pessoas, inclusive igualando os sexos feminino e masculino. Já não se
tem o respeito que se deve a uma moça ou senhora.
O homem tinha muito
respeito pela palavra empenhada nos negócios. Assim, por exemplo, no Brasil do
século XIX havia pessoas que, como garantia, davam um fio de barba. A outra
parte do negócio tomava aquele fio e o guardava num envelope, restituindo-o
quando a dívida fosse quitada. O fio de barba valia mais do que a assinatura
sobre o contrato escrito. Era o próprio contrato, pois com este gesto o devedor
empenhava a sua honra; era a garantia de que cumpriria o seu compromisso.
Prisioneiro
da honra
Guerra dos Cem Anos – Batalha de Crécy Manuscrito de Jean Froissard |
Em uma aula sobre a
Idade Média, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira conta a história de um senhor
feudal francês que havia sido preso pelos ingleses na guerra dos Cem Anos.
Exigiam dele certa quantia de resgate para que fosse posto em liberdade. Ele
disse então:
— Eu não tenho
dinheiro.
— Mas você tem o tal
castelo que poder nos ceder.
— Não posso, porque
esse castelo, eu empenhei minha palavra, pertence a fulano.
— Mas há outro castelo.
— Também não posso.
Empenhei minha palavra, pertence a sicrano.
— Mas há tal coisa
assim a que você tem direito.
— Não posso porque isso
é de meu suserano. Tenho também minha palavra empenhada.
— Então você não pode
nada?
— Não, em virtude das leis da honra, eu não posso
nada. Não dou nada e continuo prisioneiro.
“Este homem – comenta o Prof. Plinio – era prisioneiro apenas de sua honra. Os ingleses estavam dispostos a
fazer com ele qualquer negócio, assinar com ele qualquer papel que lhes desse
um pretexto para tomar esse castelo. Mas ele estava preso por uma prisão maior
que todas as outras prisões: ele tinha
sua palavra de honra.”[2]
(grifos nossos)
A
honra é um dos maiores bens humanos. As pessoas, no
empenho de manter a honra, são levadas a evitar o mal. Ela
“liga-se à virtude da fortaleza através
da magnificência, a qual fortalece a alma para empreender grandes feitos. De modo especial através do pudor,
ela liga-se à virtude da temperança, a qual modera as inclinações do homem para
que ele aja segundo os ditames da razão. Do mesmo modo a honra está ligada à
virtude da justiça através da virtude da religião que nos manda respeitar os
superiores.”[3]
“A honra autêntica é o brilho da virtude, sua
aura. É o eco da virtude na sociedade, o sinal de que ela é reconhecida e
admirada. Ali onde a virtude está condenada a ficar sem eco e, portanto, sem
brilho, ela não é acessível senão a alguns grandes solitários. De onde a
necessidade de se continuar a cultivar a honra. A honra é uma intermediária
necessária entre os ideais e o comum dos mortais.”[4]
Não
há honra onde não há verdade nem justiça
No
final da guerra do Vietnã, o representante do Vietnã do Sul foi pressionado a assinar
um acordo de paz. Após a assinatura, num ato de repúdio àquele acordo, ele
jogou a caneta no chão. Sobre isso, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira escreveu
na Folha de São Paulo:
“Nixon, discursando para seu país e para o
mundo, asseverou que o acordo de Paris entre os dois Vietnãs podia ser
considerado o início de uma paz com honra. O que há de real nessa afirmação?
Comecemos pelo que diz
respeito à honra. Não há honra onde não
há verdade nem justiça. Afirmou-se que aquele acordo foi feito sob a égide
da justiça. Ora, isso não é verdade. (grifo nosso)
A justiça exige, num
acordo em que se afirma não haver vencedores nem vencidos, uma inteira
igualdade entre as partes. Ora, a desigualdade, no caso concreto, não podia ser
maior.
É explicável – pelo
menos sob certo ponto de vista – que se realize um plebiscito para saber se o
povo do Vietnã do Sul quer a continuação do atual regime. Mas, então, por que
não se organiza também um plebiscito para averiguar se o povo do Vietnã do
Norte deseja a continuação do regime comunista?
Se os EUA retiram suas
tropas do Vietnã do Sul, por que não faz o mesmo a outra parte beligerante? Em
outros termos, por que os norte-americanos não têm o direito de estar no Vietnã
do Sul, mas se admite que, depois do armistício, ali se encontrem aglutinados
em incontáveis bolsões, os guerrilheiros do Vietnã do Norte?
Num acordo em que tais
disparidades – para não falar senão destas duas – se ostentam desinibidamente,
ninguém pode falar de honra. E afirmar que esse início de paz é baseado na
honra, é pura e simplesmente uma inverdade.
Aliás, este acordo nem
sequer constitui um genuíno acordo. Quando ele foi assinado, todos previam que
não daria início à paz, mas simplesmente à retirada dos norte-americanos. E aí
estão os fatos. Mal serenadas (por quanto tempo, ninguém o sabe...) as
hostilidades no Vietnã, Pequim e Hanói se saem com uma investida contra o
governo anticomunista do Camboja, e exigem tanto a restauração do governo
pró-comunista de Suvana Phuma quanto a retirada das tropas americanas.
Todos os que celebraram
esse "acordo", pelo mundo afora, com discursos e festas possuem de
sobejo os elementos para medir a precariedade desse acordo. Eles comemoraram
com a mais contraditória das alegrias um início de paz com honra, que nem
promete uma verdadeira paz, nem se fez segundo a honra.
De minha parte, acho infinitamente mais lógica a atitude do
representante do Vietnã do Sul que, depois de haver assinado o acordo sob
pressão brutal dos acontecimentos, jogou a caneta ao chão...”[5]
Uma
frase de Churchill se tornou célebre quando os primeiros-ministros da
Grã-Bretanha e da França – respectivamente, Chamberlain e Daladier – celebrara
o Pacto de Munique com Hitler, em 1938: ‘Entre a desonra e a guerra,
escolheram a desonra, e terão a guerra’.
A infâmia
e a ignomínia são contrárias da honra
Por aí se veem as
consequências desastrosas da perda do sentido da honra. Para possuí-la
totalmente o homem precisa praticar todas as virtudes. Neste sentido, a honra é
a beleza espiritual que reluz na conduta do homem virtuoso.[6]
O contrário da honra é a
infâmia ou ignomínia. Diz a escritura: "A glória será o
prêmio do sábio, a ignomínia será a herança dos insensatos”. (Provérbios 3,
35)
Nos dias atuais,
entretanto, o homem em sua hipocrisia vai além e se jacta da sua própria
degradação. Chega-se às vezes a zombar das virtudes e da honra.
Os heroicos Macabeus
que no Antigo Testamento lutaram contra os erros de sua época tinham como lema:
“É melhor morrer do que viver em uma terra devastada e sem honra”. Mas nós, que
temos a honra de sermos católicos apostólicos romanos e que fomos resgatados
pelo Sangue preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelos méritos de sua
Paixão e Morte na Cruz, preferimos dizer: “É melhor lutar do que viver
acomodado em uma civilização devastada e sem honra!”
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